quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

HORIZONTE PERDIDO, de James Hilton

Por Ema Dias dos Santos
Quatro passageiros - um jovem americano (Mallinson), e três ingleses (o corajoso Conway, o suposto Barnard, e a missionária Miss Brinklow) - embarcam num avião que lhes é designado para fugir de uma conturbação no Extremo Oriente. Entretanto, ficam surpreendidos ao constatar que o rumo tomado pela aeronave é outro, e que um piloto de fisionomia oriental se apoderara do aparelho. Eles haviam sido raptados. Seu destino: Shangri-La, nas altas montanhas do Tibete.

Através deste livro, James Hilton concebeu uma versão da utopia do paraíso perdido que se tornou clássica, sendo incorporada no imaginário coletivo como um de seus sinônimos. Além de uma instigante reflexão sobre o tema, que suscita muito mais perguntas do que apresenta respostas, a história é construída na forma de aventura, e muito bem narrada, o que compensa largamente eventuais deficiências na construção dos personagens.

Os valores ocidentais e orientais estão em constante jogo, quer em confronto, em convivência ou em interação. O próprio mosteiro tem tradições budistas e também cristãs. Questões interessantes podem brotar das reações dos personagens diante das diferenças culturais:

    "- Que é que os lamas fazem?
     - Devotam-se à contemplação, minha senhora, e à pesquisa da sabedoria.
     - Mas isso não é fazer alguma coisa.
     - Então, minha senhora, não fazem nada.
     - Era o que eu pensava." (p.108)
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    "É significativo que os ingleses considerem a indolência um vício. Nós, pelo contrário, lhe damos grande preferência sobre a pressa. Não é verdade que há demasiada pressa no mundo atualmente, e não seria talvez melhor se houvesse mais pessoas indolentes?" (p.185)
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   "- É justamente como eu disse: este estabelecimento atende a todos os gostos.
     - É possível, se você gosta da prisão – repontou Mallinson.
     - Bem, sobre este assunto há dois modos de ver. Meu Deus, quando se pensa em toda a gente que daria tudo o que tem para sair da balbúrdia e vir descansar num lugar como este, e não pode sair! Seria o caso de perguntar quem está preso: nós ou eles?" (p. 199-200)
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    "Arre, que me enforquem se vejo alguma coisa de agradável em continuar vivendo quando já se está meio morto! Antes uma vida curta, mas alegre." (p.233)

Contudo, apenas a poucos são oferecidas as possibilidades mais plenas de incorporar-se a esta utopia. Talvez porque poucos são os que conseguem superar o mero evasionismo - visão dentro da qual a busca do paraíso é sempre uma fuga - para encarar o desafio do autoconhecimento:

    "Adquirirá calma e profundeza, madureza, sabedoria e o cristalino encanto da memória. E, mais precioso que tudo, terá o tempo, esse dom tão raro, tão desejado, que os países ocidentais foram perdendo à medida que o buscavam com mais ardor." (p.169)

E, ao deparar-me com o trecho em que é explicitada a missão de Shangri-La, diante de um futuro assombrado pelo fantasma de uma guerra que a tudo destruiria, não pude deixar de focar minha atenção na relevância que os monges dão à biblioteca, à leitura, ao estudo e às artes:

    "Talvez. Não podemos esperar nenhuma mercê, mas há uma tênue esperança de que sejamos esquecidos. Aqui ficaremos com nossos livros, nossa música e nossas meditações, conservando as frágeis elegâncias de uma época moribunda e buscando a sabedoria de que os homens hão de precisar quando tiverem esgotado todas as suas paixões. Temos uma herança a preservar e transmitir." (p.173-174)

Mesmo relativizando essas concepções à luz do tempo e de tantas transformações que ocorreram desde que a obra foi escrita, faz-nos pensar o quanto é importante não perder de vista o papel vital que a cultura desempenha na trajetória da humanidade, até porque assim poderemos lidar melhor com as mudanças que ainda nos aguardam. Afinal, como afirmou o próprio Bill Gates: “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história.”


Lost horizon, Copyright 1933.
  
 Tradução VILA, Francisco Machado e VALLANDRO, Leonel. 14 ed. São Paulo: Círculo do Livro. s.d.
(Há outras edições brasileiras, inclusive mais recentes.)



CADERNO DE LITERATURA
Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
13ª Edição, 1º
de dezembro de 2009